terça-feira, 11 de outubro de 2011

TRISTE ILUSÃO

Do que nos serve a ilusão?
Para onde nos leva essa dor, se mal sabemos o porquê ela existe?
Grande ilusão não conseguir dizer uma palavra, tentar vasculhar o passado e perceber que toda a memória foi perdida. Não sei em que lugar ela se fixou e por mais tentador que seja  ainda é um mistério. Ilusão, oh palavra indiscreta e triste, mal sabemos que a partir dela  vivemos, respiramos e a bebemos. Somos imbuídos desse veneno, que lá no fundo, quase despercebido tornou-se essencial para vislumbrar a máscara que fizemos de nós.
Talvez o problema esteja na relação que existe entre o sujeito do conhecimento e o objeto a ser conhecido. Sabemos que o trabalho realizado pela faculdade do intelecto humano consiste  em realizar conceitos e  imprime nos objetos exteriores nossos gostos pessoais, sentimentos, vontades e conclusões imediatas.
Podemos definir, entretanto, que tudo aquilo que é particular ao nosso modo humano, tem sentido fora de nós. Eis ai a causa da ilusão: imprimimos no mundo o nosso modo de ser. Vemos nele aquilo que projetamos para ele; o representamos fenomenicamente permeados por um conjunto de sentimentos e pensamentos contraditórios. Somos impulsivos e desejantes. Jamais nos saciamos! Lidamos  com o estado permanente de militância dos sentimentos, eles lutam e divergem entre si.
Como um ser humano que age desse modo, pode querer entender o universo que está fora dele?
A reapresentação humana do mundo  é insuficiente, pois ele está fora  de nós. Possui leis próprias e  em si é constituída por uma forma e dimensão que lhes são próprias. Daí deriva uma parte de nossos problemas, vivemos no mundo e somos completamente diferentes dele. Diferentes dos demais seres humanos! Desenvolvemos o modo mais apurado de ver e julgar o outro que está fora de nós. Sendo que esse julgamento é indevido, pois o outro, apresenta uma originalidade e característica própria à sua condição.
Por fim, adentramos para a  ilusão! Uma vez conhecida, ela não nos abandona, e não tem fim. A não ser que  por força divina nos é removida a venda dos olhos e voltamos a enxergar o real; o original que não começa e nunca poderá partir de um conceito individual.

AUTOR: Adriano Lima

domingo, 18 de setembro de 2011

ESSA COISA DE SAUDADE...


"O que a memória ama fica eterno. Te amo com a memória imperecível"
(Adélia Prado)

Sou do tipo que gosto de rever coisas velhas, álbuns, retratos, cartas, enfim coisas que se tem poucos vestígios, mas que fazem brotar muitas saudades - e saudade é uma efemeridade do ontem e do hoje. Restando apenas uma neblina e um fundo musical. Às vezes suave, ou cheios de presságios! Quem nunca sentiu saudade que atire a primeira pedra. Existem manhãs que trazem cheiros de tempos remotos, de rostos inesquecíveis.
           
Saudade são vistas a longa distância que se repetem em quilhões, é uma lembrança que já aconteceu, ou que gostaríamos que tivesse acontecido. É passagem da infância para adolescência; da adolescência para vida adulta, mas saudade é e sempre será criança. É o primeiro beijo que foi tão fugaz e eterno debaixo de chuva; é o cheiro do orvalho; da comida que gostamos e que só de pensar sentimos o cheiro, e só de fechar os olhos vemos nossa mãezinha preparando. Saudade tem cheiro de paixão, e paixão é o avesso do corpo pedindo bis, é como um eco no centro de um deserto gritando por retrocesso.
           
Rubem Alves soube escrever muito bem do que se trata: “Saudade é o revés de um parto, é arrumar o quarto para o filho que já morreu”. É a ausência de um filho que não nasceu o espaço entre o finito e o infinito, uma mistura do belo e uma despedida. É o beijo que não aconteceu, a declaração de amor que se perdeu, a idade que passou, é a viagem que não deu certo, o barulho de chuva gostoso  que nos acalantava até dormirmos, é a mesa de piadas, a escola com os amiguinhos do primário. É o feérico! Uma mistura do consumado e o desejado. É uma quimera!
           
E ela está em tudo, nas alegrias, nas tristezas, num fim de dia nublado ou frio, numa poesia, numa música. Está nos nossos sonhos. Os sonhos são amantes da saudade, é uma viagem para dentro escreveu Jostein Gaarder.

“Quando nós viajamos para longe, vamos para fora. E quando sonhamos viajamos para dentro. Quem sabe seja possível viajar em duas direções ao mesmo tempo?”

Os sonhos é uma carona para a saudade que tem como referência o tempo que foi preenchido ou que ficou para ser preenchido depois; a saudade não preenche o vazio, pelo contrário, abre o vazio, e o tempo preenchido vem em forma de alegria, sonata, de cheiro, chuva, música, vento frio, nuvens, cartas, presentes...  Saudade é isso, um presente a ser aberto! A emoção de desembrulhar o pacote!
Sabedoria é isto: é contemplar o aqui e o agora sem deixar ser desperdiçado por ele!

“O homem tem dois olhos - cita Alves – um somente vê o que se move no tempo que passa.
O outro,
Aquilo que é divino e eterno”.

Quiçá, o segredo fosse o olho da saudade, coisas divinas e eternas como o cariciar de duas mãos e uma troca de olhares apaixonados. Saudade é uma palavra que foi dita, porém não pronunciada, nem escrita, nem contada, apenas contemplada.  "As mais belas palavras, escrevera Leonardo da Vinci, foram pronunciadas no silêncio entre dois olhares." Saudade é enamorar uma cena da nossa vida em preto e branco. Ela tem cheiro de campo molhado, flores perfumadas, sorrisos inacabados, amores desejados, pontes não atravessadas..., saudade são águas que um rio levou; ventos que abre portas num vai e vem sem perder o mistério do pensamento. É o pensamento abrindo portas de um museu, com relíquias raras; é um acúmulo de lembranças boas, e dentre elas vem aquelas que dá vontade de rir, pular, gritar, chorar, fugir! É um treco fugaz que tranca o coração em lágrimas e alegrias. São fugas do pensamento também desejando sentir o mesmo, é uma viagem no infinito com peças selecionadas.
           
Não se fala, saudade não tem tempo, descrevendo-as, pronunciando-as, escrevendo-as, tenha consciência de sua eternidade, e que isso não duvide ninguém, é uma estrada onde o pensamento não tem direção.
“Uma coisa que não tem nome – escreveu José Saramago – essa coisa é o que somos”. Digo eu, uma coisa que não tem nome, essa coisa só pode ser saudade; o soluço do tempo encaixado e guardado no âmago do nosso ser.
           
Em uma frase a doutora Racher Remem disse: “Muitas coisas na vida não podem ser explicadas, apenas apreciadas”. E é assim, lembranças nostálgicas deve ser uma apreciação e reconhecimento que há coisas na vida que ficaram gravadas, e não sabemos onde, mas que de vez em quando são reviradas, e o distante fica perto, o coração bate mais forte porque toma consciência que saudade é um grande sinal que estamos envelhecendo.
Porém digo: saudade não se escreve, nem se fala, nem se descreve. Apenas se sente e pronto.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

SOBRE OS NOSSSOS POETAS


Invisivelmente, imperceptivelmente eu já tinha um poeta dentro de mim, pouco visível aos olhos dos demais. Mas só eu sabia que dentro de mim morava um poeta que queria se manifestar. Tinha sede que eu tivesse sede dele; tinha fome que eu tivesse fome dele. Fome? De tudo, que ele pudesse imaginar, mas eu não conseguia alimenta-lo com suas exigências alimentícias; sempre o decepcionava. Sentia que o poeta que morava nas entranhas do meu corpo tentava se manifestar usando diversos tipos de dons que me fazia ter anseio por dedilhar cada um deles assim como o vento dedilha cada folha que compõe uma árvore.

Aquilo me deixava ávido, porém, nunca o satisfazia, e logo chegava a frustração e o sentimento de covardia batia na porta. E o poeta reclamava, debochava; acho que até ria ou fazia festa de tamanha covardia, e eu parecia coelho escondido do primeiro predador. Sua voz ecoava no meu ouvido, “Seu covarde”, essa expressão me fazia um ser módico, contudo, eu nunca perdia o poeta e ele nunca me perdia e recomeçava tudo novamente.

O poeta que mora dentro dos poetas, usa seus corpos para desenvolver sua arte que o volve, porque o poeta interno é mais forte que o externo. O externo só manifesta aquilo que o interno deseja. A sabedoria dos antigos diz: “O que os olhos não veem o coração não deseja”. O poeta sagrado vai mais além: “A lâmpada do corpo são os olhos, se os teus olhos estiverem acessos, o mundo inteiro será luminoso. Mas se estiverem apagados que enormes serão as trevas”. Tomei a liberdade de pensar diferente dos antigos: o que o teu interior não deseja você não vê, ou melhor, o que o teu poeta não vê o teu corpo não deseja. Se Ele estiver acordado, teu corpo fará coisas impressionantes, caso contrário, teu corpo refletirá a morte.

Um dia me pus à frente do espelho e comecei uma caçada ao meu poeta que mora na floresta verde e escura do meu corpo. Comecei pelos olhos. Dizem que o poeta da floresta consegue vê nosso mundo, mas não conseguimos vê o dele. Ele observa o nosso mundo através dos nossos olhos. Incrível, impressionante! Após horas frente ao espelho, tentando entrar na selva do meu poeta eu não consegui ver nada além de um adolescente atônito. Veio o súbito, e de repente a presa saiu da toca, e eu consegui ver o que nenhum outro poeta havera ter visto! Vi o meu poeta visceral preso na alma dos meus olhos! Experiência única e desejável a tantos!

Vi dentro dos meus olhos um sol,
E dentro do sol tinha um abismo,
E dentro do abismo tinha minha imagem refletida.

Deixa-me traduzir:

Dentro dos meus olhos mora um sol, e dentro do meu sol tem um abismo, e no interior do abismo mora Ele: o meu poeta!
Agora  consegue compreender o poeta sagrado? Quando Ele se deleita em cima de suas palavras! Belas! Belíssimas!

Agora conseguem compreender o porquê do sol nos cerne dos olhos...o abismo? Entendeu o paradoxo luz e treva? Não! Ninguém jamais compreenderá o que não se mostra!

Tive outra visão do meu poeta. Não perdi sequer um detalhe do “meu poeta genial”! O poeta da alma e da imaginação. Ele me olhava e eu o olhava. Éramos dois imersos em uma só coisa!

Dentro dos meus olhos tinha um sol,
Dentro do sol havia o buraco de uma fechadura moldado em uma porta,
E por detrás da porta estava ele: adivinha quem?

Era ele, o meu poeta! O que mora dentro de mim; que fica a me observar pelo buraco de uma fechadura. De lá ele vê o meu mundo, mas eu não consigo vê o seu.
Quando o meu poeta está doente tudo mergulha no mesmo lago. Se o interior está mal o exterior também estará; ou seja, se o poeta que mora dentro de mim, de ti... estiver doente o corpo também adoece. Rubem Alves conta com clareza em um de seus versos essa coisa de “poeta doente”, corpo doente. Poeta saudável, corpo saudável!
     
“O corpo saudável é transparente. Sai de si e fica todo no mar, no céu, no sol. É a doença que o torna opaco”.

Antoine de Saint – Exupéry já contava tudo isso em uma de suas maiores obras, “O pequeno príncipe”. “O que vejo não passa de casca, o mais importante é invisível...”.

O corpo é a “casca”, essa metáfora que Saint usou foi das coisas mais verdadeiras e clara que já ouvi. “O corpo é casca”, e o essencial é o poeta que mora dentro de cada um de nós! Por isso cuide do seu poeta e nunca o deseje ver. Os homem quando se depara com o que é visível ele metamorfoseia, manipula, faz construções..., trata logo de fazer várias transformações só para se sentir superior. Talvez por isso Deus seja invisível; os pensamentos; a alma... O teu poeta!